O Novo Marco Regulatório Trabalhista Infralegal: Decreto n° 10.854/2021

Compartilhe:

Crédito/Foto: Pexels

De acordo com tal programa, as normas trabalhistas infralegais serão organizadas e compiladas em coletâneas, dividindo-se nos seguintes temas: a) legislação trabalhista, relações de trabalho e políticas públicas de trabalho; b) segurança e saúde no trabalho; c) inspeção do trabalho; d) procedimentos de multas e recursos de processos administrativos trabalhistas; e) convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho – OIT; f) profissões regulamentadas; e g) normas administrativas.

Dentre as mudanças trazidas pelo Decreto, é possível destacar algumas regras relativas ao registro eletrônico de jornada, ao vale-alimentação, ao vale-transporte e ao livro inspeção do trabalho, além de normas sobre terceirização.

No tocante ao registro eletrônico de controle de jornada, o Decreto foi expresso ao estabelecer que os equipamentos e sistemas de controle não poderão exigir prévia autorização para sobre jornada. Possibilitou, ainda, a pré-assinalação do período de intervalo e a utilização do ponto por exceção.

Quanto a esse último, é importante ressaltar que a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) já havia autorizado o seu emprego, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho (art. 74, §4º, da CLT). Na prática, uma vez adotado o controle de ponto por exceção, os colaboradores não precisam registrar todo o horário de trabalho, mas apenas as alterações na jornada normal, ou seja, as horas extras, por exemplo.

Destaca-se que, em que pese o ponto por exceção tenha sido autorizado pela Reforma Trabalhista, bem como sua utilização tenha sido reforçada pelo decreto supramencionado, esta prática ainda encontra óbice na jurisprudência dos tribunais do trabalho. Desse modo, sua adoção deve ser feita com muita cautela e sempre observando os requisitos estabelecidos no art. 74, §4º, da CLT.

Ainda sobre as mudanças trazidas, outro ponto que merece destaque reside no vale-transporte. O Decreto estabeleceu, no parágrafo único do art. 108, que o benefício não pode ser utilizado nos serviços de transporte privado coletivo e transporte público individual. Já no artigo 110 ficou estabelecido que é vedado ao empregador “substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, exceto quanto ao empregador doméstico”, ressalvado no caso de “indisponibilidade operacional da empresa operadora e de falta ou insuficiência de estoque de vale-transporte necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema”, caso em que o beneficiário será ressarcido pelo empregador.

Assim, resta claro que o valor do vale-transporte não poderá ser utilizado para ressarcir o empregado de gastos com Uber e outros aplicativos, por exemplo, salvo no caso de indisponibilidade do sistema operacional ou insuficiência de vale-transporte. Nesses casos, de acordo com o parágrafo único do art. 110, o beneficiário será ressarcido pelo empregador na folha de pagamento imediata, quando tiver efetuado a despesa para o seu deslocamento por conta própria.

Por sua vez, no capítulo destinado ao vale-alimentação e ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), a consolidação de normas trabalhistas reforça a necessidade de inscrição prévia da empresa no Ministério do Trabalho e Previdência para usufruir dos benefícios fiscais relacionados ao PAT. Na execução do Programa, o empregador poderá optar por manter serviço próprio de refeições, distribuir alimentos, ou, ainda, firmar contrato com entidades de alimentação coletiva, igualmente registradas.

Da mesma maneira, destacado expressamente o dever das empresas beneficiárias de dispor de programas destinados a promover e monitorar a saúde, além de aprimorar a segurança alimentar/nutricional de seus empregados.

Também relevante o disposto no art. 178 do Decreto, cuja redação deixa claro que a alimentação fornecida in natura pela pessoa jurídica beneficiária do PAT não tem natureza salarial, não se incorpora à remuneração – e, com isso, não gera reflexos em outras verbas trabalhistas -, bem como não constitui base de incidência do FGTS.

Em regra, os recursos repassados ao trabalhador em conta de pagamentos para utilização no âmbito do PAT não podem ser sacados, salvo quando da rescisão do contrato de trabalho, oportunidade em que poderão ser integralmente utilizados, na forma do inciso III do art. 174.

Ainda sobre o PAT, as empresas beneficiárias não poderão exigir ou receber das fornecedoras de alimentação ou das facilitadoras de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios nenhum tipo de deságio ou desconto sobre o valor contratado, seja para fornecer alimentação ao trabalhador, seja para fornecer vales alimentação ou refeição, ressalvados os contratos anteriormente negociados.

Por sua vez, o valor do benefício concedido ao trabalhador na forma de recursos aportados em conta de pagamento em moeda eletrônica poderá ser utilizado por ele integralmente, independentemente de ter havido ou não o desconto de sua participação, mesmo após a rescisão do contrato de trabalho.

Por fim, as novas regras impõem que o benefício concedido tenha o mesmo valor para os trabalhadores da empresa beneficiária do PAT.

Quanto ao Livro de Inspeção do Trabalho, a novidade está na substituição do documento impresso por aquele disponibilizado em meio eletrônico. O eLIT, como passou a ser chamado o instrumento digital de comunicação com a inspeção do trabalho, se tornará obrigatório a todas as empresas que tenham ou não empregados, a partir de data a ser estabelecida por Ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência. Aplica-se também aos profissionais liberais e às instituições sem fins lucrativos que admitirem trabalhadores como empregados. As Microempresas (MEs) e Empresas de Pequeno Porte (EPPs), por sua vez, poderão aderir ao eLIT por meio de cadastro.

Dentre os objetivos do Livro de Inspeção eletrônico estão: simplificar os procedimentos de pagamento de multas administrativas e obrigações trabalhistas, registrar os atos de fiscalização e o lançamento dos seus resultados, possibilitando a rápida consulta, assinalar prazos para o cumprimento de exigências, viabilizar o envio de documentos eletrônicos, permitir a apresentação de defesas e recursos nos processos administrativos, etc.

O uso dos canais eletrônicos também é mencionado no capítulo que trata da fiscalização das normas de proteção ao trabalho e de saúde e segurança, uma vez que as denúncias sobre irregularidades e os pedidos de Inspeção do Trabalho poderão ser veiculados por esse meio, garantida a confidencialidade.

Outro aspecto que releva notar é que o ato administrativo presidencial houve por regulamentar disposições relativas às empresas prestadoras de serviços a terceiros, reforçando a inexistência de vínculo empregatício entre os trabalhadores ou sócios dessas empresas e a empresa contratante, independentemente do ramo de suas atividades. A questão da terceirização de atividades-fim e meio já havia sido enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal em agosto de 2018, e voltou a ser apreciada pela Corte Constitucional em 2020, tendo sido reconhecida a ampla possibilidade de terceirização de serviços de qualquer espécie, ante a declaração de constitucionalidade da Lei 13.429/2017.

Certamente, os requisitos fixados pelo novo Decreto Presidencial, como pressupostos à configuração do vínculo de emprego com o tomador dos serviços (empresa contratante), são mais numerosos e, portanto, mais rígidos do que aqueles estabelecidos pela Súmula n. 331, III, do TST. Pela redação da referida Súmula, bastava a comprovação da pessoalidade e da subordinação direta do trabalhador para com o tomador para o reconhecimento do vínculo entre as partes. O Decreto, entretanto, menciona ser imprescindível a caracterização de todos os elementos tradicionais da relação empregatícia: não eventualidade, subordinação jurídica, onerosidade e pessoalidade. A finalidade, evidentemente, é conferir maior proteção às empresas contratantes de serviços terceirizados e incentivar esse modelo de contratação.

Finalmente, também foram publicados outros atos normativos em conjunto com o Decreto 10.854/21. No entanto, em sua maioria, tratam-se de Portarias e Instruções Normativas que dizem respeito à atuação do Ministério do Trabalho e Previdência, merecendo um maior destaque, as Portarias nº 671 e 672, as quais dispuseram sobre procedimento para registro de trabalhadores e normas afeitas à segurança do trabalho.

Leia mais

Rolar para cima